Poeta do Materialismo: Lucrécio

Lucretii

Na própria Antiguidade, segundo José Américo Motta Pessanha, na Introdução do volume da Coleção Os Pensadores dedicado à obra de Epicuro e Lucrécio, o epicurismo não sofreu reformulações. Os seguidores imediatos de Epicuro limitaram-se a cultuar a memória do mestre e a preservar e propagar suas ideias.

Segundo Diógenes Laércio, a obra de Epicuro compreendia cerca de trezentos títulos, dentre os quais só Sobre a Natureza compreenderia 37 livros. Dessa grande quantidade de escritos, todavia, restou muito pouco. O próprio Diógenes Laércio conservou:

  1. uma Carta a Heródoto (que trata da Física),
  2. uma Carta a Pítocles (de autenticidade contestada e tratando dos Meteoros) e
  3. uma Carta a Meneceu (sobre Moral e Felicidade).

Segue essas cartas cerca de quarenta sentenças atribuídas a Epicuro e conhecidas sob a denominação de Máximas Principais. Em 1888, K. Wotke descobriu, em um manuscrito da biblioteca do Vaticano, 81 máximas de Epicuro, algumas já inseridas nas Máximas Principais.

Por outro lado, as escavações realizadas em Herculanum (cidade próxima à Pompeia e também soterrada pelas lavas do vulcão) trouxeram à luz uma biblioteca epicurista, contendo inclusive o Sobre a Natureza de Epicuro. Esta história é detalhada no livro A Virada: O Nascimento do Mundo Moderno de autoria de Stephen Greenblatt.

Mas, se os escritos de Epicuro só são conhecidos de forma fragmentária, existe uma outra fonte para o conhecimento de sua doutrina: o poema Da Natureza das Coisas, de seu seguidor Lucrécio, que viveu em Roma entre os anos 99 e 55 a.C. Este é o manuscrito cuja redescoberta em 1417, em um mosteiro medieval, e impacto sobre inovadores dos séculos vindouros do Renascimento é narrada por Greenblatt. Continuar a ler

Sabedoria e Amizade (Máximas de Epicuro – Ética)

epicuro X dios

Se queres enriquecer alguém, não lhe acrescentes riquezas: diminui-lhe os desejos.

*

Encontro-me cheio de prazer corpóreo quando vivo a pão e água e cuspo sobre os prazeres da luxúria, não por si próprios, mas pelos inconvenientes que os acompanham.

*

A quem não basta pouco, nada basta.

*

Não deves corromper o bem presente com o desejo daquilo que não tens; antes, deves considerar também que aquilo que agora possuis se encontrava no número dos teus desejos. Continuar a ler

Objetivo da Filosofia segundo Epicuro

Fragmeto da Carta de Epicuro a Meneceu

Todo desejo incômodo e inquieto se dissolve no amor da verdadeira Filosofia o amor pela sabedoria, experimentado apenas pelo ser humano consciente de sua própria ignorância.

*

Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse o fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma.

E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz.

*

Deves servir à Filosofia para que possas alcançar a verdadeira Liberdade. Continuar a ler

Hedonismo Epicurista e a Verdadeira Sabedoria

Filósofos Gregos

Segundo José Américo Motta Pessanha, na Introdução do volume da Coleção Os Pensadores dedicado à obra de Epicuro, com sua concepção materialista da realidade, Epicuro pretende libertar o homem dos dois temores que o impediriam de encontrar a felicidade:

  1. o medo dos deuses e
  2. o temor da morte.

Os deuses existem, afirma Epicuro, mas seriam seres perfeitos que não se misturam às imperfeições e às vicissitudes da vida humana. Os deuses viveriam em perfeita serenidade nos espaços que separam os mundos.

Suas perfeições supremas constituem o ideal a que aspiram os sábios e deve ser objeto de culto desinteressado. Não teria sentido adorá-los de maneira servil, temerosa e interesseira, pois eles desconhecem o mundo imperfeito dos homens e de modo algum atuam sobre ele.

Quanto à morte, não há também por que temê-la. Ela não seria mais que a dissolução do aglomerado de átomos que constitui o corpo e a alma. A morte, portanto, não existe enquanto o homem vive e este não existe mais quando ela sobrevém. Continuar a ler

Epicurismo e Atomismo

Epicuro 341-270 aC

Epicuro, segundo José Américo Motta Pessanha, na Introdução do volume da Coleção Os Pensadores dedicado à sua obra, foi intensamente venerado por seus primeiros discípulos, grandes admiradores seus. E cerca de dois séculos depois de sua morte — ocorrida em 270 a.C. — ainda será assim exaltado pelo poeta romano Lucrécio, seguidor e expositor de suas ideias: “Foi um deus, sim, um deus, aquele que primeiro descobriu essa maneira de viver que agora se chama sabedoria, aquele que por sua arte nos fez escapar de tais tempestades e de tais noites, para colocar nossa vida numa morada tão calma e tão luminosa”.

As tempestades e a noite a que se refere o poeta Lucrécio significam os temores e as perturbações que agitam o espírito humano e que Epicuro teria ensinado como vencer. “A morada tão calma e tão luminosa” seria a meta proposta pelo epicurismo: a morada da serenidade e do prazer.

Com efeito, toda a ética de Epicuro representa um esforço para libertar a alma humana de equívocos ou de infundadas crenças aterrorizadoras. A Filosofia, para Epicuro, deveria servir ao homem como instrumento de libertação e como via de acesso à verdadeira felicidade. Esta consistiria na serenidade de espírito que advém da consciência de que é ao homem que compete conseguir o domínio de si mesmo. Continuar a ler

Epicuro e Lucrécio

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Em janeiro de 1417, conta Stephen Greenblatt, no livro A Virada: O Nascimento do Mundo Moderno, o caçador de livros Poggio Bracciolini resgatou das prateleiras de uma biblioteca monástica a obra-prima de Lucrécio, o poema Da Natureza, até então dado como perdido. “Era apenas Epicuro”, Lucrécio escreveu, “quem poderia curar a condição miserável do homem que, mortalmente entediado em casa, sai correndo para sua estância de veraneio apenas para descobrir que lá se encontra tão deprimido quanto antes”. Epicuro, morto mais de dois séculos antes, era nada menos que o próprio salvador.

Da Natureza é a obra de um discípulo que transmite ideias desenvolvidas sobre a sabedoria de viver com prazer. O núcleo de sua visão pode ser reduzido a uma única ideia incandescente: tudo que já existiu e tudo que ainda existirá é montado a partir de partículas indestrutíveis de dimensões diminutas, mas inimaginavelmente numerosas. Os gregos tinham uma palavra para essas partículas invisíveis, coisas que, como eles concebiam, não podiam ser divididas em elementos menores: átomos. Continuar a ler

Mitologia e Filosofia Indiana

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Em um país com uma civilização tão antiga quanto a indiana, história e mito estão colados.

Rama é a encarnação de Vishnu, um dos principais deuses do panteão hindu, e também herói-protagonista do poema épico mais popular da Índia: o Ramaiana.

Os milenares textos épicos são sagrados. Não há megaprodução de Hollywood que possa rivalizar com qualquer filme de Bollywood (indústria cinematográfica indiana) inspirado no Ramaiana ou no Mahabárata, o outro grande épico do país. Os épicos são constantemente reinventados e reinterpretados, constituindo grandes sucessos de audiência na televisão indiana.

O Ramaiana, ou “A Viagem de Rama”, teve várias interpretações durante os séculos. A principal mensagem do poema é a importância do darma, ou seja, o dever moral e religioso de cada um: um conceito fundamental da filosofia hindu. A obediência cega de Rama ao pai, por exemplo, e a submissão de sua vontade pessoal à família são exemplares em uma sociedade em que essa é a instituição mais poderosa. Continuar a ler

Filosofia Moderna

bertrand-russell Por Que Repetir Erros Antigos

O último trecho de Bertrand Russel, “A filosofia entre a religião e a ciência.”

“A Filosofia moderna começa com Descartes, cuja certeza fundamental é a existência de si mesmo e de seus pensamentos, dos quais o mundo exterior deve ser inferido. Isso constitui apenas a primeira fase de um desenvolvimento que, passando por Berkeley e Kant, chega a Fichte, para quem tudo era apenas uma emanação do eu. Isso era uma loucura, e, partindo desse extremo, a Filosofia tem procurado, desde então, evadir-se para o mundo do senso comum cotidiano.

Com o subjetivismo na Filosofia, o anarquismo anda de mãos dadas com a Política. Já no tempo de Lutero, discípulos inoportunos e não reconhecidos haviam desenvolvido a doutrina do anabatismo, a qual, durante algum tempo, dominou a cidade de Wünster. Os anabatistas repudiavam toda lei, pois afirmavam que o homem bom seria guiado, em todos os momentos, pelo Espírito Santo, que não pode ser preso a fórmulas. Partindo dessas premissas, chegam ao comunismo e à promiscuidade sexual.

Foram, pois, exterminados, após uma resistência heroica. Mas sua doutrina, em formas mais atenuadas, se estendem pela Holanda, Inglaterra e Estados Unidos; historicamente, é a origem do “quakerismo“. Continuar a ler

Luta pelo Estado Laico

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Mais um trecho de Bertrand Russel, “A filosofia entre a religião e a ciência.”

A tentativa teutônica de preservar pelo menos uma independência parcial da Igreja manifestou-se não apenas na política, mas, também, na arte, no romance, no cavalheirismo e na guerra. Manifestou-se muito pouco no mundo intelectual, pois o ensino se achava quase inteiramente nas mãos do clero.

A Filosofia explícita da Idade Média não é um espelho exato da época, mas apenas do pensamento de um grupo. Entre os eclesiásticos, porém, principalmente entre os frades franciscanos, havia alguns que, por várias razões, estavam em desacordo com o Papa.

Na Itália, ademais, a cultura estendeu-se aos leigos alguns séculos antes de se estender até ao norte dos Alpes. Frederico II, que procurou fundar uma nova religião, representa o extremo da cultura antipapista; Tomás de Aquino, que nasceu no reino de Nápoles, onde o poder de Frederico era supremo, continua sendo até hoje o expoente clássico da filosofia papal. Dante, cerca de cinquenta anos mais tarde, conseguiu chegar a uma síntese, oferecendo a única exposição equilibrada de todo o mundo ideológico medieval.

Depois de Dante, tanto por motivos políticos como intelectuais, a síntese filosófica medieval se desmoronou. Teve ela, enquanto durou, uma qualidade de ordem e perfeição de miniatura: qualquer coisa de que esse sistema se ocupasse, era colocada com precisão em relação com o que constituía o seu cosmo bastante limitado. Continuar a ler

História da Filosofia entre a Teologia e a Ciência

Bertrand

Mais um trecho de Bertrand Russel, “A filosofia entre a religião e a ciência.”

A Filosofia, ao contrário do que ocorreu com a Teologia, surgiu, na Grécia, no século VI antes de Cristo. Depois de seguir o seu curso na Antiguidade, em seu primeiro período, foi de novo submersa pela Teologia, quando surgiu o Cristianismo e Roma se desmoronou.

Seu segundo período importante, do século XI ao século XIV, foi dominado pela Igreja Católica, com exceção de alguns poucos e grandes rebeldes, como, por exemplo, o imperador Frederico II (1195-1250). Este período terminou com as perturbações que culminaram na Reforma.

O terceiro período, desde o século XVII até hoje, é dominado, mais do que os períodos que o precederam, pela Ciência. As crenças religiosas tradicionais não justificadas foram sendo modificadas sempre que a Ciência torna imperativo tal passo. Poucos filósofos deste período são ortodoxos do ponto de vista católico, e o Estado secular adquire mais importância em suas especulações do que a Igreja. Continuar a ler

Eleição entre A Religião e A Ciência

Bertrand Russell, 1951

Nesta campanha eleitoral em que a disputa se dá entre uma crente evangélica e uma defensora do Estado laico, vale (re)ler o texto clássico de Bertrand Russel, intitulado A Filosofia entre A Religião e A Ciência. Vamos apresentá-lo em uma série de pequenos posts, sublinhando seus conceitos-chave.

Os conceitos da vida e do mundo que chamamos “filosóficos” são produtos de dois fatores:

  1. um, constituído de fatores religiosos e éticos herdados;
  2. o outro, pela espécie de investigação que podemos denominar “científica”, empregando a palavra em seu sentido mais amplo.

Os filósofos, individualmente, têm diferido amplamente quanto às proporções em que esses dois fatores entraram em seu sistema, mas é a presença de ambos que, em certo grau, caracteriza a Filosofia.

Filosofia” é uma palavra que tem sido empregada de várias maneiras, umas mais amplas, outras mais restritas. Pretendo empregá-la em seu sentido mais amplo, como Russel procura explicar adiante.

A Filosofia, conforme Bertrand Russel entende a palavra, é algo intermediário entre a Teologia e a Ciência.

Como a Teologia, consiste de especulações sobre assuntos a que o conhecimento exato não conseguiu até agora chegar, mas, como Ciência, apela mais à razão humana do que à autoridade, seja esta a da tradição ou a da revelação.

Todo conhecimento definido pertence à Ciência; e todo dogma quanto ao que ultrapassa o conhecimento definido, pertence à Teologia.

Mas entre a Teologia e a Ciência existe uma Terra de Ninguém, exposta aos ataques de ambos os campos: essa Terra de Ninguém é a Filosofia. Continuar a ler

Limites do Conhecimento: Idealismo Transcendental

Kant_Immanuel

A posição filosófica que sustenta que certo estado ou atividade da mente é anterior e mais fundamental do que as coisas experimentadas é chamada de idealismo. Kant nomeou sua própria posição de idealismo transcendental.

Ele insistiu que espaço, tempo e certos conceitos são características do mundo que experimentamos, ou seja, do mundo fenomenal, em vez de características do mundo em si, considerado separadamente da experiência dos sentidos, ou seja, referente ao mundo numênico. Este adjetivo refere-se a númeno ou numenal.

No kantismo, númeno é a realidade tal como existe em si mesma, de forma independente da perspectiva necessariamente parcial em que se dá todo o conhecimento humano. A coisa em si é nômeno, noúmeno. Embora possa ser meramente pensado, por definição é um objeto incognoscível. Estabelece-se por oposição a fenômeno.

As alegações sobre o conhecimento a priori têm consequências positivas e negativas. Continuar a ler